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Title Uma política monetária à Lagardère Degree of recognition National Media name/outlet Público Media type Print Country/Territory Portugal Date 6/07/24 Description Lagardère é uma personagem do romance de capa e espada do escritor Paul Féval que inspirou uma série televisiva da minha infância. A expressão “à Lagardère” significa fazer algo com ousadia, mas sem medir bem as consequências.
Vem o acima a propósito da Senhora Lagarde e do modo, digamos, à Lagardère que o Banco Central Europeu (BCE) tem conduzido a política monetária. Em Sintra, não abriu o jogo sobre possíveis novas descidas das taxas de juros de referência do BCE. Isto apesar da inflação na Área do Euro estar pouco acima dos 2% e a respetiva economia estar estagnada. No noticário da noite, entre outros, referiu os riscos para a inflação associados à guerra na Europa e no Médio Oriente e que o BCE toma decisões sobre as taxas de juro de referência com base em dados concretos e quando os mesmos estão disponíveis. Acrescentou que as pessoas não gostam de inflação e, uma vez mais, mencionou os aumentos dos salários como constituindo o risco principal para a inflação.
O mundo para o BCE da Senhora Lagarde é inflação com o resto à volta. É como se a política monetária não tivesse consequências redistributivas. É como se não houvesse um esforço de guerra associado à guerra na Europa e no Médio Oriente. É como se as taxas de juro do BCE não afetassem, entre outros, o modo como esse esforço de guerra incide sobre a população europeia e a transição energética. É como se a melhor maneira de enfrentar o inimigo às portas fosse enfraquecer a economia europeia, para controlar a inflação.
O BCE da Senhora Lagarde vai mais além. Se há um ano suportava que dois terços da inflação tinha tido origem no lado da oferta, agora suporta que a inflação teve origem na procura. O excesso de liquidez terá sido causado pelo Plano de Recuperação da Europa (NextGenerationEU) implementado em resposta à pandemia COVID-19. Sobre a liquidez em excesso estacionada na banca europeia em resposta à crise financeira global de 2008, liquidez que, entre outros, tem alimentado comportamentos especulativos de fundos de investimento com a guerra, nem uma palavra.
Mudam-se os tempos e mudam-se as vontades ou, no caso do BCE, mudam-se os pressupostos dos modelos e mudam-se os resultados. E os pressupostos são, digamos, à Lagardère. O BCE assume uma economia concorrencial que está longe de existir, que não existem alterações estruturais associadas à COVID-19 e que a sua credibilidade no combate à inflação torna a procura agregada horizontal. Com uma procura agregada horizontal, choques na oferta agregada não geram inflação. E assim sendo, por construção do modelo, toda a dinâmica da inflação é transportada para o lado da procura.
Num quadro que é de necessidade de acelerar a transição energética, a missão principal do BCE deveria ser a de controlar as taxas de juro. Outras formas deveriam ser encontradas pelas instituições europeias, via política fiscal e monetária não convencional, para secar excessos de liquidez causadores de inflação, quando eles existem e onde de facto se encontrem estacionados.URL https://api-cdn.publico.pt/2024/07/06/opiniao/opiniao/politica-monetaria-lagardere-2096604 Persons Leonardo Costa