TY - BOOK
T1 - Efeitos da anestesia, analgesia e sedação em ser imaturo - estudo experimental e clínico
AU - Catré, Dora
PY - 2014/10/14
Y1 - 2014/10/14
N2 - Anualmente milhões de fetos e recém-nascidos humanos são expostos, direta ou indiretamente, a anestésicos gerais/sedativos ou analgésicos para alívio da dor e stresse cirúrgicos. As principais preocupações nesta área são dominadas pela perceção do aumento de risco de morbimortalidade e de efeitos nóxios potenciais no neurodesenvolvimento, originados pela anestesia/analgesia/sedação (A/A/S) utilizada em fase de imaturidade geral e designadamente do sistema nervoso central. Os efeitos da A/A/S, administrada a crianças jovens, e em particular a neonatos com patologia cirúrgica de risco, estão ainda insuficientemente estudados neste subgrupo pediátrico. O objetivo principal desta Tese foi contribuir para a fundamentação científica do tema, através da realização de um conjunto de estudos de índole experimental (Estudo A) e clínica (Estudos B a D). O nosso estudo experimental (Estudo A) levanta questões importantes relativas ao impacto no neurodesenvolvimento do ser imaturo exposto a midazolam ou fentanil, fármacos amplamente usados no contexto clínico estudado (neonatos internados em unidades de cuidados intensivos pediátricas submetidos a cirurgia sob anestesia). Utilizando um modelo murino neonatal de dor incisional pós-operatória constituíram-se 4 grupos experimentais: (1) fentanil, (2) midazolam, (3) sham e (4) não-operado, cujo desenvolvimento físico e comportamento foram avaliados ao longo do estudo após administração repetida dos fármacos teste. No final da experiência foi também realizado estudo histopatológico e histomorfométrico de áreas do córtex peri-rinal, giro dentado do hipocampo e cerebelo. Os nossos resultados sugerem que a administração repetida de fentanil ou de midazolam a ratos submetidos a stresse cirúrgico em fase de imaturidade cerebral alterou o crescimento e o desenvolvimento normais, tendo tido impacto variável, positivo ou negativo, nos diferentes parâmetros estudados, sendo de destacar aspetos globalmente positivos para o fentanil, com melhoria de aquisição de competências cognitivas (memória), e desfavoráveis para o midazolam que afetou negativamente a memória e o comportamento ansioso. Os estudos B e C tiveram, respetivamente, como objetivos (Estudo B) analisar os resultados e conclusões de estudos epidemiológicos publicados na literatura sobre perturbações persistentes do neurodesenvolvimento após exposição a anestésicos de crianças em fase de imaturidade cerebral e (Estudo C) analisar o perfil epidemiológico da morbimortalidade relacionada com a anestesia geral e cirurgia no primeiro ano de idade e em particular no período neonatal (primeiro mês de idade), utilizando o método de revisão sistemática da literatura. No Estudo B, a análise das publicações revelou estudos com numerosas limitações e conclusões discordantes que fazem com que a informação reportada ainda se considere insuficiente para mudar a prática clínica atual e no Estudo C observou-se grande variabilidade nos índices de mortalidade e morbilidade na faixa etária em análise, bem como nos seus subgrupos. No entanto, apesar da óbvia heterogeneidade metodológica e ausência de estudos específicos, os perfis epidemiológicos de morbimortalidade relacionada com a anestesia de crianças no primeiro ano de idade mostram frequência mais alta nesta faixa etária, com os maiores picos de incidência na anestesia de neonatos. O estudo D teve como objetivo a análise da morbimortalidade numa ampla coorte de recém-nascidos submetidos a cirurgia neonatal sob anestesia geral num centro regional de referência em Portugal, em contexto de cuidados otimizados de saúde para esta população. O recurso a análise estatística utilizando o método de regressão logística permitiu determinar fatores de risco independentes para mortalidade e fatores de risco independentes para complicações pós-operatórias graves (graus III a V na classificação de Clavien-Dindo) nos primeiros 30 dias após a cirurgia neonatal. Entre os resultados relevantes encontrou-se taxa de mortalidade intra-hospitalar de 6,4%, o que está dentro da prevalência encontrada em países desenvolvidos. A mortalidade e as complicações pós-operatórias graves após cirurgias neonatais sob anestesia geral nos primeiros 30 dias de pós-operatório foram respetivamente de 5% e 23%. As variáveis classificação de estado físico ASA 3 ou superior e enterocolite necrosante/perfuração gastrointestinal foram identificadas como fatores de risco independentes para mortalidade pós-operatória precoce neonatal e as variáveis mais do que uma intervenção, reparação cirúrgica de hérnia diafragmática congénita, prematuridade com menos de 32 semanas de gestação e cirurgia abdominal foram identificadas como fatores de risco independentes para complicações graves após a anestesia/cirurgia neonatal. O nosso contributo pessoal de índole experimental pode contribuir para apoiar o uso neonatal de fentanil, quando indicado, ou seja, em ambientes pós-cirúrgicos, incluindo em recém-nascidos prematuros. No que se refere ao midazolam a sua utilização deverá ser restringida à menor exposição possível, até esclarecimento dos seus efeitos no neurodesenvolvimento humano. No entanto, a extrapolação dos nossos dados para o contexto clínico deve ser feita com cautela, como em qualquer estudo com animais. O contributo providenciado pelos estudos clínicos, ao sistematizar as informações disponíveis e estabelecer fatores de risco independentes, pode ajudar os profissionais de saúde a orientar as intervenções para melhoria de resultados e definir o prognóstico pós-operatório em neonatos com patologia cirúrgica.
AB - Anualmente milhões de fetos e recém-nascidos humanos são expostos, direta ou indiretamente, a anestésicos gerais/sedativos ou analgésicos para alívio da dor e stresse cirúrgicos. As principais preocupações nesta área são dominadas pela perceção do aumento de risco de morbimortalidade e de efeitos nóxios potenciais no neurodesenvolvimento, originados pela anestesia/analgesia/sedação (A/A/S) utilizada em fase de imaturidade geral e designadamente do sistema nervoso central. Os efeitos da A/A/S, administrada a crianças jovens, e em particular a neonatos com patologia cirúrgica de risco, estão ainda insuficientemente estudados neste subgrupo pediátrico. O objetivo principal desta Tese foi contribuir para a fundamentação científica do tema, através da realização de um conjunto de estudos de índole experimental (Estudo A) e clínica (Estudos B a D). O nosso estudo experimental (Estudo A) levanta questões importantes relativas ao impacto no neurodesenvolvimento do ser imaturo exposto a midazolam ou fentanil, fármacos amplamente usados no contexto clínico estudado (neonatos internados em unidades de cuidados intensivos pediátricas submetidos a cirurgia sob anestesia). Utilizando um modelo murino neonatal de dor incisional pós-operatória constituíram-se 4 grupos experimentais: (1) fentanil, (2) midazolam, (3) sham e (4) não-operado, cujo desenvolvimento físico e comportamento foram avaliados ao longo do estudo após administração repetida dos fármacos teste. No final da experiência foi também realizado estudo histopatológico e histomorfométrico de áreas do córtex peri-rinal, giro dentado do hipocampo e cerebelo. Os nossos resultados sugerem que a administração repetida de fentanil ou de midazolam a ratos submetidos a stresse cirúrgico em fase de imaturidade cerebral alterou o crescimento e o desenvolvimento normais, tendo tido impacto variável, positivo ou negativo, nos diferentes parâmetros estudados, sendo de destacar aspetos globalmente positivos para o fentanil, com melhoria de aquisição de competências cognitivas (memória), e desfavoráveis para o midazolam que afetou negativamente a memória e o comportamento ansioso. Os estudos B e C tiveram, respetivamente, como objetivos (Estudo B) analisar os resultados e conclusões de estudos epidemiológicos publicados na literatura sobre perturbações persistentes do neurodesenvolvimento após exposição a anestésicos de crianças em fase de imaturidade cerebral e (Estudo C) analisar o perfil epidemiológico da morbimortalidade relacionada com a anestesia geral e cirurgia no primeiro ano de idade e em particular no período neonatal (primeiro mês de idade), utilizando o método de revisão sistemática da literatura. No Estudo B, a análise das publicações revelou estudos com numerosas limitações e conclusões discordantes que fazem com que a informação reportada ainda se considere insuficiente para mudar a prática clínica atual e no Estudo C observou-se grande variabilidade nos índices de mortalidade e morbilidade na faixa etária em análise, bem como nos seus subgrupos. No entanto, apesar da óbvia heterogeneidade metodológica e ausência de estudos específicos, os perfis epidemiológicos de morbimortalidade relacionada com a anestesia de crianças no primeiro ano de idade mostram frequência mais alta nesta faixa etária, com os maiores picos de incidência na anestesia de neonatos. O estudo D teve como objetivo a análise da morbimortalidade numa ampla coorte de recém-nascidos submetidos a cirurgia neonatal sob anestesia geral num centro regional de referência em Portugal, em contexto de cuidados otimizados de saúde para esta população. O recurso a análise estatística utilizando o método de regressão logística permitiu determinar fatores de risco independentes para mortalidade e fatores de risco independentes para complicações pós-operatórias graves (graus III a V na classificação de Clavien-Dindo) nos primeiros 30 dias após a cirurgia neonatal. Entre os resultados relevantes encontrou-se taxa de mortalidade intra-hospitalar de 6,4%, o que está dentro da prevalência encontrada em países desenvolvidos. A mortalidade e as complicações pós-operatórias graves após cirurgias neonatais sob anestesia geral nos primeiros 30 dias de pós-operatório foram respetivamente de 5% e 23%. As variáveis classificação de estado físico ASA 3 ou superior e enterocolite necrosante/perfuração gastrointestinal foram identificadas como fatores de risco independentes para mortalidade pós-operatória precoce neonatal e as variáveis mais do que uma intervenção, reparação cirúrgica de hérnia diafragmática congénita, prematuridade com menos de 32 semanas de gestação e cirurgia abdominal foram identificadas como fatores de risco independentes para complicações graves após a anestesia/cirurgia neonatal. O nosso contributo pessoal de índole experimental pode contribuir para apoiar o uso neonatal de fentanil, quando indicado, ou seja, em ambientes pós-cirúrgicos, incluindo em recém-nascidos prematuros. No que se refere ao midazolam a sua utilização deverá ser restringida à menor exposição possível, até esclarecimento dos seus efeitos no neurodesenvolvimento humano. No entanto, a extrapolação dos nossos dados para o contexto clínico deve ser feita com cautela, como em qualquer estudo com animais. O contributo providenciado pelos estudos clínicos, ao sistematizar as informações disponíveis e estabelecer fatores de risco independentes, pode ajudar os profissionais de saúde a orientar as intervenções para melhoria de resultados e definir o prognóstico pós-operatório em neonatos com patologia cirúrgica.
M3 - Doctoral Thesis
ER -