Abstract
O projeto que se apresenta neste relatório, tem como objetivo geral avaliar as determinantes sociais, económicas e de saúde do abuso de idosos em contexto de crise em Portugal. A opção por se empreender uma investigação neste âmbito decorreu do reconhecimento de que a relação entre os maus-tratos infligidos aos idosos e o contexto de crise socioeconómica que se viveu, sobretudo entre 2008 e 2011, a nível Europeu e, em particular, em Portugal, tem sido pouco estudada. A investigação realizada procurou, assim, evidenciar os efeitos da crise socioeconómica na população mais velha (60 e mais) e sua relação com o abuso de idosos, pelo que a sua relevância social reside no contributo que pode ter para colmatar a escassez de estudos e de investigação empírica que se observa, na sociedade portuguesa, acerca da referida relação, mas também na definição de um conjunto de recomendações dirigidas a todos os profissionais, em geral, e aos decisores de políticas sociais para a população idosa, em particular. Mais especificamente, os objetivos analíticos que organizaram a investigação foram traçados em torno das seguintes dimensões centrais para o projeto: identificar os fatores que aumentam o risco de exposição de pessoas mais velhas a diferentes tipos de abuso e sua prevalência; avaliar as suas condições socioeconómicas e se o seu declínio conduziu à ocorrência de comportamentos agressivos e abusivos (e.g. abuso físico, psicológico, financeiro, sexual); analisar os indicadores gerais de saúde e em que medida o seu agravamento, por força do avançar da idade e de patologias diversas, os tornou mais vulneráveis à violência; caraterizar as áreas de residência dos idosos de acordo com o seu estatuto socioeconómico; avaliar se houve alteração da prevalência, dinâmicas e tipo de abusos entre os indivíduos da coorte EPIPorto que participaram no projeto “Abuse of the elderly in the European region” (ABUEL) (Soares et al., 2010a). O desenho da investigação assentou numa abordagem metodológica mista, conduzindo à realização, num primeiro momento, de um estudo quantitativo, e posteriormente, de um estudo qualitativo. O suporte empírico da investigação teve por base uma coorte populacional da cidade Porto - EPIPorto, criada e coordenada pelo ISPUP, que acompanha 2485 residentes, com 18 ou mais anos, desde 1999. A nossa pesquisa incidiu sobre os idosos participantes na referida coorte (N=1222). No seu conjunto esta amostra sustentou a análise extensiva, com o recurso à aplicação presencial de um inquérito por questionário a uma amostra final de 678 indivíduos com 60 e mais anos, para numa fase posterior, sustentar, de igual modo, a realização do estudo qualitativo, a partir da aplicação de 45 entrevistas semiestruturadas, para aprofundamento de algumas das dimensões analíticas supramencionadas. Os resultados evidenciam, que o abuso psicológico é o mais prevalente na nossa amostra (19,9%), seguido do abuso financeiro (5,6%), com as mulheres a destacarem-se no plano das ocorrências, embora não o suficiente para a diferença em relação aos homens ser estatisticamente significante. Os abusos são igualmente prevalentes nos diferentes grupos etários, nos contextos de conjugalidade ou coabitação com outras pessoas e/ou familiares, em diferentes níveis de escolaridade elevados. Onde a diferença emerge de forma claríssima é quando olhamos para os contextos materiais e financeiros em que os inquiridos vivem: a ocorrência de situações de abuso é substancialmente maior entre os que percebem o rendimento familiar como sendo insuficiente ou que pertencem a domicílios com insegurança alimentar. Igualmente significante é a relação entre a ocorrência e abuso e um conjunto de indicadores que remetem para o domínio do estado de saúde e bem-estar e para o campo dos comportamentos de autocuidado. Assim, os participantes que apresentam mais sintomas depressivos, que são mais negativos na avaliação do seu estado geral de saúde, que falham a toma de medicação ou tratamentos médicos, são aqueles onde as situações de abuso mais ocorrem. Quando considerada a redução de gastos/despesas do agregado familiar, bem como a alteração de determinadas circunstâncias da vida quotidiana, em virtude da crise económica, a prevalência de abuso aumenta, o que revela que a crise económica dos últimos anos aumentou significativamente o risco de exposição dos idosos ao abuso, nomeadamente daqueles que já se encontravam em situação de vulnerabilidade económica. Os resultados evidenciam ainda a existência de efeitos de acumulação de vulnerabilidade em torno da exposição ao abuso. Ou seja, a grande evidência alcançada com esta investigação, consiste em demonstrar que a vulnerabilidade se acumula naquilo que se designa por coocorrência de desvantagem, o que reforça a importância de as políticas sociais e de saúde colocarem no centro das suas agendas a problemática dos abusos entre a população mais velha tendo em conta precisamente tais desvantagens. O Relatório está estruturado em cinco partes. A primeira corresponde ao enquadramento teórico e metodológico do estudo. Na segunda apresenta-se os principais resultados quantitativos relativos aos grandes objetivos do projeto e na terceira parte procede-se à apresentação do estudo qualitativo, ou seja, dos resultados das 45 entrevistas aplicadas aos participantes da amostra original do inquérito por questionário com vista ao aprofundamento das representações e significados que atribuem ao fenómeno dos abusos e violência sobre a população mais velha. Da triangulação metodológica aplicada neste estudo obteve-se conhecimento, simultaneamente, objetivo e significante sobre as determinantes sociais, económicas e de saúde do abuso e da violência sobre as pessoas mais velhas em Portugal. Ao longo dos diversos pontos analíticos do relatório são apresentadas algumas narrativas de abuso e violência, que culminam, na última parte, com a apresentação de alguns recortes biográficos, dando-se assim voz aos principais interlocutores do presente estudo. O relatório é ainda composto por um conjunto de conclusões finais e de recomendações de forma a que as políticas sociais e de saúde relativas a esta problemática tenham em linha de conta precisamente as diferentes vulnerabilidades que se acumulam na idade avançada.
Original language | Portuguese |
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Place of Publication | Porto |
Publisher | Universidade do Porto |
Number of pages | 177 |
ISBN (Electronic) | 9789898969538 |
DOIs | |
Publication status | Published - 2020 |
Externally published | Yes |