Abstract
O objetivo do presente artigo é o de explorar hipóteses explicativas para o uso de pseudo- originais num episódio particular da História da Tradução em língua portuguesa. Este episódio consiste na publicação em português de uma série de romances picarescos anónimos em Paris entre 1838 e 1853. Estudos anteriores (Oliveira 2013, Maia 2017) vieram mostrar que esta novelística é composta por traduções não-declaradas. Como primeiro passo de exploração de uma explicanda para a opção de publicar estas traduções como sendo originais, decidiu analisar-se o romance Dom João da Falperra (1840). O paratexto de Dom João da Falperra tem a particularidade de apresentar falsamente este texto não só como original, à semelhança dos demais romances picarescos publicados em português e em Paris, mas também como supostamente publicado em Lisboa. O capítulo está organizado em três secções. Primeiro, Dom João da Falperra é lido como parte de uma literatura de exílio. Concretamente, demonstra-se que este é um romance polifónico que não só apresenta imagens do outro como ficcionaliza variedades do português usadas (deficitariamente) por falantes estrangeiros. Segundo, descrevem-se as estratégias paratextuais e textuais que constroem, neste romance, o pseudo-original, categoria pouco estudada nos Estudos Descritivos de Tradução. Por um lado, um paratexto que, para além de indicar Lisboa como local de edição, não apresenta qualquer menção ao ato tradutório; por outro, a inserção no texto de chegada de múltiplos elementos do universo do discurso lisboeta (nomeadamente, topónimos da cidade de Lisboa). Terceiro, apresentam-se dados que sugerem que, a partir de 1840, todas as edições parisienses de obras em língua portuguesa passaram a estar sujeitas a pesados impostos na alfândega portuguesa. Argumenta-se, assim, que Dom João da Falperra poderá ter-se apresentado falsamente como uma autobiografia, escrita em português por um lisboeta e para um público lisboeta como uma estratégia para contornar as leis protecionistas e entrar no mercado português, enquanto edição nacional. Em conclusão, a explicanda avançada pelo presente estudo de caso parece ligar-se a uma determinante específica do início dos anos 40 de XIX e, portanto, apenas uma (dentre outras) motivações para a adoção de pseudo-originais pela comunidade literária em Paris entre 1838-1853.
Original language | Portuguese |
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Title of host publication | Tradução e exotismo |
Subtitle of host publication | a invenção do ‘Outro’ na literatura |
Publication status | In preparation - 2020 |