Abstract
Cunhado pela ‘Carta de Siena’ homologada pelo ICOM em 2014, o conceito de ‘Paisagem cultural’ vem acompanhado de um contexto que preconiza que os museus deverão envolver-se na proteção dessas mesmas paisagens culturais, articulando-se interdisciplinarmente com outras instituições, autoridades e organismos, reconhecendo “a necessidade de uma viragem crítica”, num “novo e diferente modelo” museológico e patrimonial (Carta de Siena 2014).
No que concerne a este modelo inovador museológico e patrimonial, constata-se que o ‘Projeto SOS Azulejo’ - projeto interdisciplinar criado e coordenado pelo Museu de Polícia Judiciária (MPJ) a partir de 2007, com várias parcerias - constituiu um verdadeiro percursor das tomadas de posição de Siena, tomando uma forte posição pró-ativa e partilhada no sentido de salvaguardar e valorizar o património azulejar português gravemente ameaçado na viragem do séc. XX para o XXI, por motivos não apenas criminais, mas também por incúria, falta de valorização e de conservação. (Nery 2007)
Transformando um problema social numa oportunidade cultural (Sá 2014), o ‘Projeto SOS Azulejo’ teve como principais consequências positivas a dramática diminuição de furtos registados de azulejos, a interdição de demolição de fachadas azulejadas (assim como a remoção de azulejos dessas mesmas fachadas) em Lisboa e mais três municípios, a atribuição de prémios anuais de ‘Boas Práticas’ ligadas à azulejaria portuguesa (nas áreas de conservação e restauro, História de Arte, divulgação e inovação, entre outras), e ações pedagógicas anuais escolares envolvendo a participação de milhares de alunos e centenas de escolas, logrando uma sensibilização crescente para a salvaguarda e valorização do património azulejar português. Nessa sequência, em 2013 o ‘Projeto ‘SOS Azulejo’ foi galardoado com o ‘Grande Prémio da União Europeia para o Património Cultural / Europa Nostra’, prémio nunca antes nem depois atribuído a Portugal.
Mais recentemente, e no que concerne especificamente ao conceito de ‘Paisagem cultural’ da ‘Carta de Siena’, que o ICOM tanto enfatizou nos dois últimos anos (sendo o tópico ‘Museus e paisagens culturais’ não só o tema do número especial do ICOM NEWS de dezembro de 2015, como do dia internacional dos museus e da Conferência Geral do ICOM em Milão em 2016), o MPJ considerou que a atualidade e a centralidade deste conceito apresentavam um grande potencial e uma oportunidade para o património azulejar português, via ‘Projeto SOS Azulejo’.
Assim, em primeiro lugar o MPJ constatou que o património azulejar português, disseminado por todo o território nacional, podia ser visto não só como uma ‘paisagem cultural’ em si, como também uma ‘paisagem cultural’ única no mundo. Porquê? Porque o azulejo, embora não tenha sido inventado pelos portugueses e tenha sido utilizado na arquitetura e nas artes decorativas por muitos outros povos antes de surgir em Portugal, ganha no nosso país a partir de finais do séc. XV/início do séc. XVI, uma importância arquitetónica e decorativa e uma multiplicidade de aplicações tal, que se torna sem paralelo a nível internacional. Com efeito, e como em mais local algum do planeta, encontramos azulejaria histórica, artística e/ou de interesse cultural em todo o tipo de edificações portuguesas, configurando de modo único o espaço, a arquitetura, a arte e o modo de transmitir informação em Portugal, constatando-se que o património azulejar português se enquadra assim perfeitamente nas definições de “paisagem cultural” da European Landscape convention (2000) e da World Heritage Convention (2005), “testemunhando uma longa e íntima relação entre um povo e o seu meio ambiente” e invocando “não apenas contextos físicos (territórios), mas também contextos sociais (comunidades) e muitos meios ambientais”.(Jalla 2015)
Em segundo lugar, o MPJ considerou que seria importante aproveitar o referido potencial e a dinâmica culturais criadas e implementadas pelo ICOM para este novo conceito, a nível internacional, para acelerar e fortalecer a defesa e valorização da tão flagelada e necessitada azulejaria portuguesa. Ou seja, este novo conceito foi visto pelo MPJ e pelo ‘SOS Azulejo’ como uma oportunidade que urgia e urge aproveitar, pois poderá possibilitar um reconhecimento internacional do património azulejar português como ‘paisagem cultural’ única a nível mundial, com todas as consequências positivas que daí poderão advir para a sua proteção e valorização, tanto a nível nacional, como para a sua candidatura a ‘Património Mundial’.
Assim, esta ideia foi concretizada pela primeira vez a nível oficial através do MPJ no aqui já referido número especial do Boletim da ICOM de dezembro de 2015, dedicado precisamente ao tema ‘Museus e Paisagens culturais’, num artigo sobre o ‘Projeto SOS Azulejo’ cujo título - Azulejo awareness: towards the protection of a unique Portuguese cultural landscape (Sá 2015) - constitui uma criação conjunta da signatária e da editora do ICOM News. Esperemos que este início de reconhecimento internacional do património azulejar português como ‘paisagem cultural’ única possa ter repercussões importantes, como referido, ao nível da sua salvaguarda e valorização, também a nível nacional, nomeadamente nas propostas legislativas que se seguem, apresentadas ao Parlamento em 2016:
1º - Interdição a nível nacional da demolição de fachadas revestidas a azulejos e a remoção destes dessas mesmas fachadas, salvo em exceções devidamente justificadas e autorizadas, em razão da ausência ou diminuto valor patrimonial relevante destes, seguindo a regulamentação já existente em Lisboa e outros três municípios, permitindo proteger todo o património azulejar exterior do país;
2º- Limitação da venda de azulejos antigos a estabelecimentos obrigados por lei a comunicar à PJ os dados das suas transações (artigo 14.º do Dec. Lei n.º 42/2009, de 12 de Fevereiro), impedindo a venda descontrolada de azulejos antigos de padrão que hoje se verifica, pois estes não são únicos nem identificáveis como os azulejos figurativos cujo problema de furto em grande parte já se solucionou através da disseminação de imagens no site www.sosazulejo.com
Sendo estas questões importantes e havendo muitas mais por resolver, compreendemos que o ‘SOS Azulejo’ constitui um work in progress com um caminho ainda longo a percorrer.
No que concerne a este modelo inovador museológico e patrimonial, constata-se que o ‘Projeto SOS Azulejo’ - projeto interdisciplinar criado e coordenado pelo Museu de Polícia Judiciária (MPJ) a partir de 2007, com várias parcerias - constituiu um verdadeiro percursor das tomadas de posição de Siena, tomando uma forte posição pró-ativa e partilhada no sentido de salvaguardar e valorizar o património azulejar português gravemente ameaçado na viragem do séc. XX para o XXI, por motivos não apenas criminais, mas também por incúria, falta de valorização e de conservação. (Nery 2007)
Transformando um problema social numa oportunidade cultural (Sá 2014), o ‘Projeto SOS Azulejo’ teve como principais consequências positivas a dramática diminuição de furtos registados de azulejos, a interdição de demolição de fachadas azulejadas (assim como a remoção de azulejos dessas mesmas fachadas) em Lisboa e mais três municípios, a atribuição de prémios anuais de ‘Boas Práticas’ ligadas à azulejaria portuguesa (nas áreas de conservação e restauro, História de Arte, divulgação e inovação, entre outras), e ações pedagógicas anuais escolares envolvendo a participação de milhares de alunos e centenas de escolas, logrando uma sensibilização crescente para a salvaguarda e valorização do património azulejar português. Nessa sequência, em 2013 o ‘Projeto ‘SOS Azulejo’ foi galardoado com o ‘Grande Prémio da União Europeia para o Património Cultural / Europa Nostra’, prémio nunca antes nem depois atribuído a Portugal.
Mais recentemente, e no que concerne especificamente ao conceito de ‘Paisagem cultural’ da ‘Carta de Siena’, que o ICOM tanto enfatizou nos dois últimos anos (sendo o tópico ‘Museus e paisagens culturais’ não só o tema do número especial do ICOM NEWS de dezembro de 2015, como do dia internacional dos museus e da Conferência Geral do ICOM em Milão em 2016), o MPJ considerou que a atualidade e a centralidade deste conceito apresentavam um grande potencial e uma oportunidade para o património azulejar português, via ‘Projeto SOS Azulejo’.
Assim, em primeiro lugar o MPJ constatou que o património azulejar português, disseminado por todo o território nacional, podia ser visto não só como uma ‘paisagem cultural’ em si, como também uma ‘paisagem cultural’ única no mundo. Porquê? Porque o azulejo, embora não tenha sido inventado pelos portugueses e tenha sido utilizado na arquitetura e nas artes decorativas por muitos outros povos antes de surgir em Portugal, ganha no nosso país a partir de finais do séc. XV/início do séc. XVI, uma importância arquitetónica e decorativa e uma multiplicidade de aplicações tal, que se torna sem paralelo a nível internacional. Com efeito, e como em mais local algum do planeta, encontramos azulejaria histórica, artística e/ou de interesse cultural em todo o tipo de edificações portuguesas, configurando de modo único o espaço, a arquitetura, a arte e o modo de transmitir informação em Portugal, constatando-se que o património azulejar português se enquadra assim perfeitamente nas definições de “paisagem cultural” da European Landscape convention (2000) e da World Heritage Convention (2005), “testemunhando uma longa e íntima relação entre um povo e o seu meio ambiente” e invocando “não apenas contextos físicos (territórios), mas também contextos sociais (comunidades) e muitos meios ambientais”.(Jalla 2015)
Em segundo lugar, o MPJ considerou que seria importante aproveitar o referido potencial e a dinâmica culturais criadas e implementadas pelo ICOM para este novo conceito, a nível internacional, para acelerar e fortalecer a defesa e valorização da tão flagelada e necessitada azulejaria portuguesa. Ou seja, este novo conceito foi visto pelo MPJ e pelo ‘SOS Azulejo’ como uma oportunidade que urgia e urge aproveitar, pois poderá possibilitar um reconhecimento internacional do património azulejar português como ‘paisagem cultural’ única a nível mundial, com todas as consequências positivas que daí poderão advir para a sua proteção e valorização, tanto a nível nacional, como para a sua candidatura a ‘Património Mundial’.
Assim, esta ideia foi concretizada pela primeira vez a nível oficial através do MPJ no aqui já referido número especial do Boletim da ICOM de dezembro de 2015, dedicado precisamente ao tema ‘Museus e Paisagens culturais’, num artigo sobre o ‘Projeto SOS Azulejo’ cujo título - Azulejo awareness: towards the protection of a unique Portuguese cultural landscape (Sá 2015) - constitui uma criação conjunta da signatária e da editora do ICOM News. Esperemos que este início de reconhecimento internacional do património azulejar português como ‘paisagem cultural’ única possa ter repercussões importantes, como referido, ao nível da sua salvaguarda e valorização, também a nível nacional, nomeadamente nas propostas legislativas que se seguem, apresentadas ao Parlamento em 2016:
1º - Interdição a nível nacional da demolição de fachadas revestidas a azulejos e a remoção destes dessas mesmas fachadas, salvo em exceções devidamente justificadas e autorizadas, em razão da ausência ou diminuto valor patrimonial relevante destes, seguindo a regulamentação já existente em Lisboa e outros três municípios, permitindo proteger todo o património azulejar exterior do país;
2º- Limitação da venda de azulejos antigos a estabelecimentos obrigados por lei a comunicar à PJ os dados das suas transações (artigo 14.º do Dec. Lei n.º 42/2009, de 12 de Fevereiro), impedindo a venda descontrolada de azulejos antigos de padrão que hoje se verifica, pois estes não são únicos nem identificáveis como os azulejos figurativos cujo problema de furto em grande parte já se solucionou através da disseminação de imagens no site www.sosazulejo.com
Sendo estas questões importantes e havendo muitas mais por resolver, compreendemos que o ‘SOS Azulejo’ constitui um work in progress com um caminho ainda longo a percorrer.
Translated title of the contribution | Innovative Solutions for the Protection of the Portuguese Tile Heritage: the 'Siena Chart' and the 'SOS Azulejo' |
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Original language | Portuguese |
Title of host publication | Congresso Ibero-americano-Património, suas matérias e imatérias, Livro de Resumos |
Place of Publication | Lisbon |
Publisher | LNEC and IUL (Laboratório Nacional de Engenharia Civil and ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa) |
Publication status | Published - 2016 |
Keywords
- Siena Chart; Azulejo (Tile); Heritage Protection.