Nativas do Hemisfério Norte, as árvores do género Quercus spp. encontram-se entre as latitudes temperadas e tropicais das Américas, Ásia, Europa e Norte da África. Estes carvalhos são árvores de folha perene, semi-decíduas ou caducifólia e produzem pequenos frutos denominados bolotas. De acordo com o Instituto Nacional de Estatística, estas árvores representam 35% da área florestal de Portugal Continental, onde 85% dos sobreiros e 92% das azinheiras se encontram no Alentejo, enquanto 94% das restantes espécies concentram-se nas regiões Norte e Centro. Por este motivo, são produzidas grandes quantidades de bolota e estimando-se que a produção anual seja de 401.585 toneladas. Apesar de ser um fruto rico em polifenóis e amido (resistente) isento em glúten, cerca de 55% das bolotas produzidas são subaproveitadas. Atualmente, como o amido tem múltiplas aplicações na indústria alimentar e não alimentar, a exploração de bolotas como fonte de amido seria vantajosa. Segundo a literatura, a extração alcalina é a metodologia que permite obter os maiores rendimentos de extração em amido com a maior pureza e com as propriedades mais relevantes. No entanto, estes amidos não podem ser usados como aditivos alimentares na União Europeia devido à falta de aprovação. Assim, o principal objetivo desta tese foi valorizar a bolota no âmbito do princípio do desenvolvimento sustentável através da criação de ingredientes de alto valor acrescentado e desperdício-zero. Foram recolhidas diferentes espécies de bolotas (Q. pyrenaica, Q. robur e Q. ilex) para estudar o efeito de diferentes métodos de descasque na sua composição nutricional e fitoquímica. Cada espécie foi descascada separadamente por três métodos distintos: manual, térmico (por choque térmico) e secagem. Verificou-se que o conteúdo em carboidratos não foi significativamente afetado, mas registou-se uma perda de amido resistente em 76, 42 e 62% após a descasque térmico e uma perda de 35, 27 e 25% após a descasque por secagem em relação ao descasque manual para Q. pyrenaica, Q. robur e Q. ilex, respetivamente. Como Q. robur foi a espécie que apresentou a maior proporção amido resistente/amido total (0.89), bem como os maiores conteúdos em fenólicos (19.3±1.3 mg GA Eq./g DF), taninos hidrolisáveis e condensáveis (73.2±4.6 mg TA Eq./g DF e 0.103±0.01 mg TA Eq./g DF, respetivamente) em relação a Q. pyrenaica e Q. ilex, a bolota descascada manualmente da espécie Q. robur foi selecionada nos testes seguintes. Seguidamente, foi otimizada a extração de amido à temperatura ambiente usando água como solvente de extração recorrendo às tecnologias de alta pressão hidrostática (HP) (níveis de pressão entre 0.1 e 500 MPa e tempos de extração entre 5 e 20 min) e campo elétrico pulsado (PEF) (intensidades de campo entre 0.1 e 20 kV/cm e tempos entre 35 e 85 μs). Devido à presença de grandes quantidades de taninos, que são compostos anti nutricionais e de grande relevância na produção de couro, a sua extração também foi otimizada, assim como de outros compostos fenólicos, para obtenção de extratos antioxidantes de alto valor acrescentado. Em relação à extração por HP, a condição ótima de extração foi encontrada a 333 MPa por 17.4 min com uma desejabilidade de 79.5%. O rendimento em amido foi de 35.4±1.1% (m/m DF) e os extratos apresentaram um conteúdo em fenólicos e taninos hidrolisáveis de 23.1±0.3 mg GA Eq./g DF e 54.1±0.1 mg TA Eq./g DF, respetivamente e uma atividade antioxidante medida por ABTS de 53.6±0.6 mg TX Eq./g DF. Quanto à extração por PEF, a condição ótima de extração foi obtida a 0.1 kV/cm por 63.3 μs com uma desejabilidade de 86.5%. O rendimento em amido foi de 34.5±0.4% (m/m DF) e os extratos apresentaram um conteúdo em fenólicos e taninos hidrolisáveis de 27.0±1.2 mg GA Eq./g DF e 56.7±0.6 mg TA Eq./g DF, respetivamente com antioxidante atividade de 59.1±1.9 mg TX Eq./g DF. Os taninos condensados não foram detetados em nenhum dos extratos. Comparativamente à extração alcalina, os resultados observados em condições ótimas representam um aumento nos rendimentos de fenólicos, taninos e atividade antioxidante em 2, 900 e 4% por HP e um aumento de 24, 1012 e 15% por PEF, respetivamente. Assim, estas tecnologias permitem obter extratos aquosos com um maior conteúdo em taninos do que a extração alcalina, valorizando assim estes compostos. Contudo, a tecnologia de extração por PEF foi a que permitiu obter extratos com um maior conteúdo em polifenóis (fenólicos e taninos) e com maior atividade antioxidante do que HP. No que diz respeito ao amido, apesar dos rendimentos de extração obtidos por HP e PEF em condições ótimas terem sido inferiores aos verificados nas respetivas extrações alcalinas (49.7±0.5 e 48.9±1.2% m/m DF para HP e PEF, respetivamente), estes amidos são “clean-label” e podem ser usados com maior segurança como aditivo e/ou ingrediente na alimentação humana do que os amidos alcalinos. Como os rendimentos de extração em condições ótimas foram semelhantes entre si, foi estudado o impacto das tecnologias nas propriedades dos amidos e estas comparadas às de um amido de milho comercial para tentar identificar a tecnologia mais vantajosa. Em relação ao amido obtido por HP em condições ótimas, a pressurização preservou o tipo de polimorfismo do amido de bolota e não alterou significativamente a cristalinidade relativa e as temperaturas de gelatinização onset (ou seja, preservou as pontes de hidrogénio). Contudo, o aumento significativo do rácio amilose/amilopectina em 97%, motivado pela quebra das cadeias de amilopectina, levou a alterações nas propriedades dos amidos. A pressurização levou à diminuição da solubilidade e o poder de intumescência dos amidos em relação ao controlo e levou a um aumento da resistência dos géis à deformação. No entanto, não foram observadas diferenças na digestibilidade in-vitro, comportamento pseudo-plástico ou resistência ao fluxo após pressurização. Relativamente ao amido obtido por PEF em condições ótimas, os conteúdos em amilose e amilopectina não foram alterados, assim como as temperaturas de gelatinização onset (pontes de hidrogénio). Apesar do tipo de polimorfismo não ter sido alterado, verificou-se uma diminuição na cristalinidade relativa em 17%. O tratamento não alterou as propriedades do amido em relação ao controlo (solubilidade, poder de intumescência, digestibilidade in-vitro e reológicas). Em relação ao amido de milho comercial, os amidos de bolota apresentaram menores temperaturas e entalpias de gelatinização, melhor comportamento pseudo-plástico, menor digestibilidade in-vitro, maior resistência ao fluxo e menor resistência à deformação. No geral, os amidos de bolota também apresentaram maior solubilidade e poder de intumescência até 80 °C do que o amido comercial, o que incentiva o uso de amido de bolota como aditivo em iogurte fermentado e produtos lácteos. Como a extração por HP e PEF levou à obtenção de amidos de bolota com diferentes propriedades, foi desenvolvido um produto lácteo para tentar identificar o amido mais adequado para este fim. Foi estudado o efeito da substituição do amido de milho comercial por amido de bolota extraído por HP e PEF em condições ótimas na composição nutricional, propriedades funcionais e sensoriais e no prazo de validade de pudins de chocolate. O amido de bolota melhorou as propriedades reológicas dos pudins sem afetar negativamente sua composição nutricional, estrutura interna ou digestibilidade in-vitro. A análise sensorial revelou que 61% dos provadores preferiram os pudins elaborados com amido de bolota em vez de amido de milho comercial (controlo). Quanto ao prazo de validade, o amido de bolota levou à estabilização da cor e melhoramento da textura dos pudins após 28 dias de armazenamento a 4 ºC em relação ao controlo sem comprometer a segurança microbiológica. Dos amidos de bolota usados, o amido de bolota extraído por PEF foi aqueles que levou a uma maior melhoria na textura dos pudins. Além disso, o pudim de chocolate elaborado com amido de bolota extraído por PEF também teve um índice de aceitabilidade maior do que o amido extraído com HP. Assim, o amido de bolota extraído com PEF parece ser o mais adequado para a produção de pudim. Na sua totalidade, o trabalho descrito na presente tese de Doutoramento marca importantes passos na valorização da bolota em Portugal, ou seja, na valorização dos seus polifenóis e amido. Este trabalho contribuirá ainda para a sustentabilidade e transformação da bolota num contexto de economia circular, pois demostra as potencialidades da utilização da tecnologia de PEF, como uma alternativa sustentável às extrações alcalinas, na obtenção de produtos com alto valor acrescentado e de grande interesse económico.
Data do prémio | 18 set. 2023 |
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Idioma original | English |
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Instituição de premiação | - Universidade Católica Portuguesa
- University of Aveiro
- University of Minho
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Promotores | Fundação para a Ciência e a Tecnologia |
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Supervisor | Maria Manuela Pintado (Supervisor), Jorge Manuel Alexandre Saraiva (Co-Orientador) & Elisabete Maria da Cruz Alexandre (Co-Orientador) |
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