Resumo
A presente investigação centra-se no conceito de donativo empresarial, identificando os elementos de política fiscal que devem ser considerados na elaboração de regimes de mecenato empresarial devidamente ajustados às idiossincrasias de cada sociedade em cada momento histórico. Por outro lado, apresente dissertação tem ainda como objetivo criar as condições necessárias para estimular as funções sociais dos donativos, tendo em vista a resolução de carências e de outros desafios sociais. Assim, pretende-se contribuir para a evolução da ciência do direito e para o enriquecimento das soluções de política fiscal, através da superação do paradigma atual ainda largamente baseado no entendimento de que quaisquer medidas associadas ao mecenato e à filantropia, nomeadamente os donativos, são excecionais, qualificando-se como incentivos ou benefícios fiscais, e não características estruturais do sistema fiscal. A tese baseia-se no entendimento de que o conceito de donativo empresarial é evolutivo e pré-regulatório, resultando de dinâmicas sociais, comportamentais, de conduta, morais, éticas e até religiosas. Este entendimento deve, assim, ser tido em consideração na elaboração de regimes de mecenato empresarial. Adicionalmente, a presente investigação visa permitir uma mudança de paradigma, de uma abordagem baseada no altruísmo para uma abordagem funcional. Esta investigação parte da premissa fundamental de que uma transferência gratuita deve ser considerada um donativo desde que cumpra com uma função social. Desta feita, existirá um donativo desde que a transferência contribua para uma redução de carências sociais, para a integração social, para a divulgação de valores e criação de consciência social, mesmo na ausência de animus donandi. Esta perspetiva da relação filantrópica permite considerar que através dos donativos são estabelecidas relações intrinsecamente bilaterais, nas quais são gerados benefícios tanto para os mecenas como para os beneficiários. Sem prejuízo de os donativos terem uma dimensão material, e contrariamente a uma visão mais tradicional, esta tese defende que existe uma dimensão fortemente imaterial nas relações mecenáticas, através da qual são produzidos efeitos ao nível dos hábitos, do conhecimento e/ou do desenvolvimento pessoal da comunidade (e.g., desenvolvimento cultural). A aceitação desta faceta imaterial é um primeiro passo para o entendimento das práticas mecenáticas como relações bilaterais com benefícios para ambas as partes. Os mecenas empresariais, pela mera participação na relação filantrópica, beneficiam da exposição a um determinado contexto que permite que estes sejam beneficiários dos seus próprios donativos (e.g., através de um donativo a um museu, os mecenas são expostos a um contexto adequado ao seu desenvolvimento cultural). No entanto, as funções sociais dos donativos excedem, em muito, a redução de carências sociais. Ao estabelecer uma maior proximidade entre mecenas e beneficiários, os donativos contribuem para uma maior integração social, aproximando classes sociais e diferentes segmentos da sociedade. Os donativos permitem igualmente a disseminação de valores sociais merecedores de tutela e criam consciência social relativamente a problemas que, de outra forma, não seriam devidamente acautelados.A sobrevivência das sociedades comerciais, no atual estado de desenvolvimento da sociedade, depende, em muitos casos, da sua integração nas comunidades onde aquelas se inserem. Comportamentos antissociais tendem a merecer a censura da comunidade, o que afeta as relações comerciais. Assim, os donativos devem ser entendidos como instrumentos de integração comunitária que permitem às sociedades comerciais demonstrar as suas preocupações sociais perante os seus clientes, empregados e até perante outros colaboradores. Embora possa parecer contraintuitivo, os donativos empresariais devem ser considerados instrumentos aptos à prossecução dos objetivos comerciais das empresas, nomeadamente através do cumprimento de usos sociais e práticas comerciais e, genericamente, mediante a sua utilização para a prossecução de lucros. Considerando o referido, esta dissertação propõe um conceito fiscal de donativo empresarial e, partindo de uma perspetiva de política fiscal, descreve como deve ser estruturado um regime de mecenato empresarial. A proposta apresentada é particularmente permissiva no que respeita à admissibilidade de donativos em espécie, nomeadamente quanto ao voluntariado. O regime proposto alarga ainda o escopo de beneficiários elegíveis, nomeadamente a pessoas singulares e outras sociedades comerciais. Motivada pela necessidade de maximizar os objetivos empresariais que subjazem a grande parte das práticas mecenáticas, a proposta descreve quais os benefícios que podem ser obtidos pelos mecenas sem que o donativo seja desconsiderado. O impacto do Direito Internacional no desenho dos regimes de filantropia empresarial é igualmente considerado na presente investigação. A jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia relativa a donativos internacionais é criticamente analisada. Sem prejuízo das limitações resultantes da referida jurisprudência, e contrariamente à doutrina mais tradicional, a tese defende que os Estados-Membros podem, ainda assim, manter alguma liberdade no estabelecimento de requisitos territoriais.Embora não exista um instrumento de Direito Internacional que regule diretamente as relações mecenáticas em cenários internacionais, a presente dissertação defende a aplicação aos donativos das cláusulas de não discriminação incluídas na maioria dos Acordos para Eliminar a Dupla Tributação. Defende-se,com efeito, que ao abrigo das referidas cláusulas a dedutibilidade dos donativos é obrigatória num número significativo de casos. Como em qualquer regime, a prevenção de práticas abusivas e a suspeição que paira sobre a gestão de recursos pelo terceiro setor são igualmente abordadas. A este respeito, é sugerida uma metodologia de controlo recíproco, através da qual tanto os mecenas como os beneficiários devem efetuar um controlo efetivo sobre a correção dos elementos que devem ser tidos em consideração na verificação de todos os elementos jurídicos e fiscais da relação filantrópica. Baseando-se no entendimento que a dedução/crédito de donativos devem ser entendidos como um desagravamento estrutural, a presente dissertação sugere a eliminação de todos os incentivos e benefícios fiscais das relações filantrópicas (tais como as majorações). Em conclusão, esta tese defende um novo entendimento do conceito, do papel e das funções dos donativos empresariais. Para além da construção teórica apresentada, a presente dissertação descreve as opções de política fiscal que devem ser adotadas pelos decisores políticos. Acresce, por fim, que a revisão dos regimes de mecenato empresarial de acordo com as coordenadas apresentadas é crucial, já que permite reconciliar os princípios da constituição fiscal com uma maior eficiência dos donativos empresariais na construção de sociedades mais desenvolvidas.
Data do prémio | 17 jun. 2021 |
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Idioma original | English |
Instituição de premiação |
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Supervisor | João Félix Pinto Nogueira (Supervisor) |
Keywords
- Imposto
- Tributação
- Rendimento
- Imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas
- Pessoas coletivas
- Donativo empresarial
- Práticas mecenáticas
- Donativo
- Donativos internacionais
- Filantropia
- Mecenato
- Incentivo fiscal
- Benefício fiscal
- Dedução
- Gasto
- Capacidade contributiva
Designação
- Doutoramento em Direito