O presente relatório estabelece um olhar crítico-reflexivo sobre um conjunto de questões emergentes de um amplo segmento da minha experiência docente, que se inicia em 1982, quatro anos antes da publicação da Lei de Bases do Sistema Educativo, e termina, em 2012, com a publicação do Decreto-Lei 137, de 2 de julho. Abarca, por conseguinte, trinta anos de desempenho profissional. Estando muitas destas questões articuladas entre si, radicadas em temas que se interpenetram e interagem, entendi ser adequado tratá-las, numa perspetiva sistémica, para configurar uma visão holística das problemáticas abordadas. Nos últimos trinta anos, a face da educação em Portugal sofreu um elevado conjunto de metamorfoses. As “portas que Abril abriu” converteram o direito de todos à educação num valor afirmado na nova Constituição da República, e legislado na Lei de Bases do Sistema Educativo, publicada em 1986. Desde então, alargou-se o tempo da escolaridade obrigatória, primeiro até nove anos e, mais recentemente, até doze anos. As instituições de ensino superior mobilizaram-se para formar os professores necessários para atender a esta nova situação e multiplicaram-se as escolas públicas para acolher todas as crianças e jovens. Tentando organizar-se para responder às novas exigências, as escolas viram-se a braços com diversos desafios: i) a massificação do ensino e a necessidade de encontrar respostas educativas adequadas; ii) o envolvimento das comunidades nas políticas educativas das escolas; iii) a função da gestão pedagógica das escolas, no âmbito desta nova realidade; iv) a formação profissional dos docentes, num contexto educativo mais diversificado e exigente. É durante estes trinta anos que se inicia o processo que correntemente se designa por “reforço da autonomia” das escolas. As problemáticas que decorrem do mesmo remetem para diversas narrativas e teorias da (e sobre) a escola e do (e sobre) o sistema que a enforma, nomeadamente: i) a visão de escola e da sua função; ii) a comunidade em que a escola se insere e o seu papel; iii) as soluções orgânicas e de gestão pedagógica da escola; iv) a supervisão pedagógica e o desenvolvimento profissional dos docentes, centrado nas escolas; v) o papel das lideranças e o princípio da prestação de contas. O caminho da autonomia e da responsabilização (accountability) 1 nas escolas públicas portuguesas tem vindo a fazer-se de forma lenta e insegura. A publicação, em 1998, do Regime de Autonomia, Administração e Gestão dos Estabelecimentos da Educação Pré-Escolar e dos Ensinos Básico e Secundário, introduziu uma conceção pluridimensional de escola, alicerçada localmente num contexto social próprio, traduzido numa comunidade educativa específica, cuja autonomia, se corporiza em vários instrumentos identitários, nomeadamente o Regulamento Interno e o Projeto Educativo. Entende-se esta autonomia como forma de incrementar a qualidade do serviço educativo prestado pelas escolas, isto é a eficácia da sua ação, centrando-a na qualidade das aprendizagens dos alunos. Como acontece em quase todos os processos transformadores, a reforma da educação e do sistema educativo tem vindo a avançar, retrocedendo. A pretendida transferência de uma significativa parte das decisões de gestão educativa para as próprias escolas tem sido um processo irregular, refletido na legislação produzida, ao sabor das diferentes políticas educativas.2 Os indicadores da OCDE de 2012, sobre educação em Portugal, referem esta realidade: apenas 22% das decisões são da responsabilidade das escolas e, entre 2003 e 2011, o sistema educativo português tornou-se cada vez mais centralizado, tendo aumentado de 50% para 74% a percentagem de decisões tomadas a nível central. Sabe-se que um qualquer grau de autonomia implica grau semelhante de responsabilidade. O reforço da autonomia escolar exige, por conseguinte, um acrescido grau de responsabilidade, sustentada não só por uma estrutura organizativa coerente nas suas opções, mas também por lideranças esclarecidas e determinadas. Acresce que a autonomia implica também a responsabilização das escolas pelos resultados, o que envolve a prestação de contas sobre a sua ação e os produtos da mesma, isto é, sobre a sua eficiência e eficácia. Da análise dos dados do PISA 2009 sobre a relação entre a autonomia da escola, responsabilização (accountability) e o desempenho dos estudantes, a OCDE concluiu que a autonomia e a responsabilização caminham juntas. Mais autonomia para decidir currículo e avaliações internas, bem como para alocar os recursos, são fatores que tendem a estar associados a melhores desempenhos dos estudantes, particularmente quando as escolas funcionam dentro de uma cultura de responsabilização, isto é, de obrigação de prestação de contas.3 Necessária para a celebração de contratos de autonomia, a autoavaliação das escolas ganhou estrutura normativa com a Lei 31/2002, de 20 de Dezembro. Este normativo introduziu a obrigatoriedade das escolas desenvolverem e aplicarem, em permanência, mecanismos de autoavaliação. Entende-se esta como um dos instrumentos da prestação de contas, mas também como um instrumento que, diagnosticando as debilidades, torna possível desencadear processos de melhoria e de promoção dos níveis de desempenho escolar. Isto é, a autoavaliação regula e potencia a qualidade do ensino e da aprendizagem, do clima de escola e dos resultados educativos obtidos. Desde então, muitas escolas têm desenvolvido, com mais ou menos dificuldades, dispositivos internos de autoavaliação. Ora, é consensual que a qualidade do serviço prestado pelos estabelecimentos de ensino decorre, em larga medida, da qualidade dos profissionais que neles trabalham e, de forma muito particular, dos docentes, e do seu trabalho desenvolvido em sala de aula. Levantam-se, pois, ancoradas na problemática da avaliação da qualidade das escolas, várias questões: i) quais as respostas que o sistema educativo e as escolas têm vindo a dar, face à necessidade de garantir e promover o desenvolvimento da profissionalidade dos docentes? ii) qual a relação entre essas respostas e os quadros teóricos da sociologia das organizações escolares e das ciências da educação? iii) como estabelecer e desenvolver, nas escolas, estratégias de desenvolvimento profissional focado na prática de sala de aula, onde a melhoria das aprendizagens dos alunos pode efetivamente ter lugar? iv) como se repercutem as formas de liderança nas escolas nas dinâmicas de desenvolvimento profissional e na qualidade das aprendizagens dos alunos? Pela revisão da literatura destacam-se múltiplos conceitos associados aos processos de aprendizagem das organizações escolares, na procura de soluções para exercer a autonomia. Entende-se a autonomia como um instrumento identitário e emancipatório, com o poder de implementar as soluções mais adequadas aos problemas e capaz de tornar a escola mais apetrechada para gerar melhores resultados. Associa-se, assim, autonomia a conceitos estruturantes como: escola eficaz, melhoria eficaz da escola e organização aprendente. Ancorados nestes, sobressaem outros conceitos: escola reflexiva, liderança distribuída e partilhada, supervisão emancipatória, profissional reflexivo, práticas de ação-reflexão-ação, desenvolvimento da profissionalidade docente e comunidade de aprendizagem profissional. Da reflexão desenvolvida neste relatório, sobressaem algumas linhas de pensamento: i) A educação e a forma como ela se organiza exigem, em permanência, dinâmicas colaborativas e soluções holísticas, flexíveis e criativas que respondam às exigências de um serviço de qualidade no séc. XXI; ii) A forma como se exerce a liderança pedagógica, e nomeadamente a ação dos coordenadores das estruturas de gestão intermédia, deve caracterizar-se por uma orientação supervisiva emancipatória que congregue, para o bem comum, as sinergias individuais; iii) O desenvolvimento profissional dos professores, assumido num quadro funcional de reflexão-na-ação, tende a centrar-se nas próprias escolas e nas suas necessidades de melhoria de processos e de resultados; iv) A interação docente, centrada na aprendizagem e operacionalizada por estratégias dialógicas e colaborativas, potencia a melhoria dos resultados dos alunos. É neste tipo de práticas que o desenvolvimento do conceito de Comunidade de Aprendizagem Profissional (CAP) se tem vindo a ancorar, como recurso de desenvolvimento da profissionalidade docente, nas escolas e no contexto das práticas. Trata-se, em suma, de fazer confluir e encontrar soluções adequadas para um conjunto de problemáticas que se entrecruzam na orgânica das escolas. E é, em larga medida, sobre o grau da qualidade da interação intraescolar e profissional – o que Fullan & Hargreaves (2012) designam por “social capital”- que se poderá construir a melhoria e a maior ou menor qualidade dos resultados das escolas.
Data do prémio | 21 jan. 2014 |
---|
Idioma original | Portuguese |
---|
Instituição de premiação | - Universidade Católica Portuguesa
|
---|
Supervisor | José Matias Alves (Supervisor) & Vitor Alaiz (Supervisor) |
---|