Simulacra corporum sanctorum martyrum

: estudo de um património em risco e estratégias para a sua valorização e salvaguarda

Resumo

A presente tese pretende dar a conhecer um património único e ainda desconhecido em Portugal – os simulacra – uma tipologia de relicários de corpo inteiro e tamanho natural, produzida entre os finais do século XVII e meados do século XIX, para expor e enaltecer os restos mortais dos primeiros mártires do cristianismo. Exumados dos cemitérios subterrâneos de Roma a partir de 1578, milhares de corpos (corpi santi) que se acredita terem morrido como mártires cristãos, foram obtidos pelos membros das elites católicas e leigos para fortalecer a prática religiosa em igrejas, conventos e oratórios por todo o mundo cristão, designadamente Portugal. Intrinsecamente relacionado com a antiga devoção às relíquias sagradas e à fé no seu poder espiritual, e favorecido pela retórica tridentina, esta prática duraria trezentos anos. Produzidos com materiais variados e técnicas de manufatura complexas, os simulacra eram vestidos com trajes cerimoniais barrocos e expostos com os atributos de santidade e martírio dentro de urnas-relicário ou altares. Porém, quer as controvérsias sobre a autenticidade dos corpos e seus atributos, quer a atitude anticlerical que marcou o século XIX, puseram fim às exumações. Uma vez que a investigação sobre os simulacra é ainda escassa tanto nacional, como internacionalmente, pretende-se apresentar nesta tese um estudo histórico-artístico e técnico, um inventário nacional, e uma proposta de conservação e salvaguarda dos exemplares em território português. São Clemente (Braga), santa Clara (Porto), são Vicente (Penafiel), santa Justina (Lisboa) são apenas alguns de entre as dezenas de peças inventariadas que testemunham o culto pelas relíquias dos santos mártires em Portugal. Do ponto de vista da análise dos materiais e das técnicas de manufatura adotados pelos artesãos incumbidos da sua montagem, serão apresentados os resultados analíticos de sete exemplares através de técnicas de imagem (radiografia, OM e SEM), espectroscópicas (EDS & ATR-FT-IR) e cromatográficas (LC-DAD-MS e Py-GC-MS). Apesar da provável origem romana das peças, os resultados obtidos sustentam possíveis produções ou remontagens nacionais. Finalmente, os simulacros enfrentam hoje processos de deterioração dramáticos e risco de desaparecimento por dissociação. À semelhança de outros países da Europa e Américas, muitos dos exemplares em Portugal foram tapados, removidos dos altares ou destruídos; mesmo os que permanecem expostos nos espaços sagrados, embora sem culto, foram, com o tempo, esquecidos. Assim, são definidas algumas propostas estratégicas de consciencialização, divulgação e (re)valorização destas peças, através da mobilização comunitária e da transferência de conhecimento intergeracional. Como aqui se defende, os simulacra constituem um património de grande valor histórico, cultural e religioso que urge preservar com uma abordagem multidisciplinar, para benefício das gerações presentes e vindouras.

Data do prémio	14 set. 2023
Idioma original	Portuguese
Instituição de premiação	Universidade Católica Portuguesa
Promotores	Fundação para a Ciência e a Tecnologia
Supervisor	Eduarda Vieira (Supervisor), Teresa Ferreira (Co-Orientador) & Vânia Maria Coutinho (Supervisor)